ENTREVISTA: Fernando Yamamoto conduz montagem com a Boyásha e o Grupo de Teatro Rerigtiba

por Paulo Gois Bastos

O diretor e teatrólogo Fernando Yamamoto é referência nacional nas artes cênicas. Paulistano, construiu sua carreira na arte teatral em Natal, capital do Rio Grande do Norte, onde fundou o Grupo de Teatro Clowns de Shakespeare. Ator, diretor, dramaturgo, pesquisador e consultor teatral, ele é dono de um currículo com cerca de 40 trabalhos nos palcos e uma dezena de prêmios, entre eles o 2007 Prêmio Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA) de Melhor diretor pelo espetáculo infantil “Fábulas” (Grupo de Teatro Clowns de Shakespeare).




Desde o último mês de abril, Fernando tem aportado nas terras capixabas para conduzir o processo de montagem teatral que conta com integrantes de duas companhias de teatro do interior do Espírito Santo: a Boyásha, de Santa Maria de Jetibá, e o Grupo de Teatro Rerigtiba, de Anchieta. Essa iniciativa consiste em uma residência artística denominada “Projeto Orwell: Uma Fábula Sobre o Poder” e resultará em um espetáculo de rua que busca lançar reflexões sobre a realidade política e social a partir da obra do romancista inglês George Orwell e irá circular pelo estado no segundo semestre deste ano.

Yamamoto também é especialista em Ensino de Teatro pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, autor da pesquisa e publicação “Cartografia do Teatro de Grupo no Nordeste”, além se ser editor e colaborador de diversas publicações. Nessa entrevista, ele fala sobre suas primeiras impressões e as perspectivas artísticas e temáticas do “Projeto Orwell”.

Qual a sua relação com a Boyásha e com o Grupo de Teatro Rerigtiba?
Meu o trabalho e o do meu grupo, o Grupo de Teatro Clowns de Shakespeare, têm como características muito fortes as trocas e as colaborações externas. Desde a nossa fundação, estamos sempre muito abertos para esse tipo de parceria com outros profissionais ou com outros grupos. Somos um grupo que, coincidentemente, foi fundado em 1993 assim como o Grupo de Teatro Rerigtiba, ou seja, estamos fazendo 25 anos em 2018. Essa possibilidade de trocas é algo que me atrai muito e o Projeto Orwell, especificamente, ainda traz uma possibilidade dupla: por um lado o aprofundamento da minha relação com a Boyásha, que é um grupo com o qual trabalhei em 2012 e, desde então, temos mantido uma relação de proximidade, ou seja, é um reencontro e um aprofundamento que é sempre motivo de muita alegria e, por outro lado, é a possibilidade de abrir novas portas e estabelecer uma relação com um grupo que eu não conhecia até então que é o Rerigtiba.

O que o motivou a fazer parte do  Projeto Orwell?
A possibilidade de trabalhar com dois grupos do interior, nós somos um grupo de uma capital, mas de um estado muito pequeno e pobre do nordeste, então a gente vive constantemente com a realidade da exclusão da dificuldade de acesso, são dificuldades que os grupos do interior de qualquer lugar do Brasil também enfrentam. Tenho uma identificação muito forte com essa condição, qualquer grupo de teatro brasileiro trabalha na perspectiva da precariedade e alguns deles mais ainda por causa dessas desigualdades. Ao chegar aqui em Anchieta, lugar que eu não conhecia, fico extremamente surpreso com esse espaço do Rerigtiba que é impressionante e inspirador para se trabalhar, com uma equipe que é extremamente profissional, ao mesmo tempo muito afetiva e carinhosa, mas muito profissional, séria e dedicada, tanto na parte de produção quanto na questão artística em si. Por fim, o próprio tema do projeto, a obra do Orwell que, para além do contexto da Revolução Russa sobre a qual a obra foi escrita, fala da relação do homem e do poder e essa relação parasitária que o poder acaba instituindo nos seres humanos. No caso, o Orwell usa os animais como uma alegoria dos seres humanos obviamente e, em especial nesse momento político que a gente tá vive no Brasil, nesse ambiente pós-golpe, quer dizer, pós-golpe não, pois o golpe ainda está em curso. Urge, mais do que qualquer em outro momento, o teatro ir para rua aproveitar de toda a sua potência política e de encantamento para trazer as pessoas, conversar com elas e informá-las. O espetáculo pode ser uma excelente oportunidade para suscitar discussões, levantar reflexões e proporcionar um debate pela chave da poesia, mas não vamos fazer palestra ou manifestação, vamos fazer teatro carregado desse teor  político, desse teor de contestação, de resistência, para que a gente tente, de alguma maneira ao menos nesse nosso microcosmos à nossa volta, interferir e ajudar a dor um próximo passo para além dessas trevas que estamos imersos nesse momento.

Já havia conduzido algum trabalho semelhante ao Projeto Orwell? 
Sim. Esse trabalho está calcado basicamente na linguagem do teatro popular, que é o teatro do Grupo de Teatro Clowns de Shakespeare e é um teatro que o Rerigtiba também já trabalha, já a Boyásha vem de uma outra escola e de uma outra linguagem, mas agora está se lançando ao desafio de se encontrar em um outro lugar e de experimentar. Isso que falei sobre a importância da rua para esse momento, sobre a relação política e o teatro popular, tudo isso faz parte da minha atuação nesses 25 anos de trabalho com  meu grupo e em outros grupos também.


A imagem pode conter: 3 pessoas, pessoas no palco


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Quais desafios percebe nessa proposta de residência e montagem teatral?
O primeiro desafio, que é mais do que natural, é o de equalizar esses três diferentes vetores: os dois grupos que, apesar de terem uma relação afetiva e de atuação política de alguns anos, estão se encontrando na sala de ensaio e dentro da cena pela primeira vez. São fricções que devem ser equalizadas a partir da potência de cada um deles, do que cada um traz para o processo; e, não bastasse esse encontro entre dos dois grupos, um terceiro vetor sou eu, que trago uma outra bagagem e uma outra experiência. Para mim, não faz nenhum sentido desenvolver um processo vertical em que chego aqui e digo ‘eu trabalho desse jeito, a partir desses critérios e parâmetros técnicos e o espetáculo vai ser assim’. Apesar de o meu tempo presencial com eles ser sempre muito escasso, pois estarei com eles mensalmente por cerca de dois ou três dias apenas, a ideia é, principalmente nesse primeiro momento e primeiras vindas, fazer uma leitura dos dois grupos, em especial do Rerigtiba, porque já conheço e tenho uma experiência mais próxima com a Boyásha, para equalizar essas potências de cada um dos grupos. Em segundo lugar, acho que temos uma obra como ponto de partida que é fantástica, um clássico da literatura universal com um teor político e um conteúdo que nos diz muito sobre o Brasil de hoje. É uma distopia, uma fábula, uma alegoria com animais, por isso, de cara a temos o desafio de descobrir qual o recurso representativo vamos adotar para essa questão dos animais. Essa é uma questão sobre a qual começamos a nos debruçar nesses primeiros dias de trabalho. Apesar de toda a potência da obra, a representação dos animais pode ser uma arapuca, uma grande armadilha, por isso temos que encontrar a forma mais interessante cenicamente de fazer isso .

Quais potencialidades enxerga nesse projeto?
Vejo a possibilidade do encontro de três grupos com histórias muito diferentes, essa é a beleza primeira desse trabalho. Nós da arte e do teatro vivemos um momento de desmonte por parte do governo, pois fomos o primeiro setor a oferecer resistência e conseguimos impor a primeira derrota pós-golpe que foi barrar extinção do Minc. Graças a uma grande mobilização nacional o governo voltou atrás, mas por outro lado, assim como o setor acadêmico, historicamente, somos um setor que oferece muita resistência e, nesse momento em que vivemos um estado de exceção temos nos manifestado mais ainda contra esse governo, por isso somos os primeiros a sofrer retaliações. Claramente estamos passando por um momento de desmonte, viajo pelo Brasil todo e tenho visto isso acontecer, tenho visto a dificuldade que os grupos estão passando para manter seus trabalhos. A oportunidade de três grupos diferentes se encontrarem para desenvolverem um trabalho já é uma super ação de resistência, ainda mais tratando de uma obra como essa que é uma outra grande potência que temos em mãos ao montar um espetáculo que vai para rua no interior do estado. Esse contexto se aponta como um ponto de partida muito feliz e uma possibilidade de trabalho muito potente.

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